segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Saiba um pouco da história do subúrbio

O BAIRRO DO LOBATO NO CONTEXTO DE SALVADOR

A Baía de Todos os Santos foi descoberta em 1501 e a história de Salvador começa nesse período, 48 anos antes da sua fundação. Por ser a baía portuária com boa localização, tornou-se um ponto de referência para os navegadores e um dos lugares mais visitados do Novo Mundo,  incentivando assim a ideia da construção da cidade. 

Nomeado governador-geral pelo então rei D. João III, Tomé de Souza veio para o Brasil com a incumbência de fundar a cidade de Salvador. A edificação da cidade de Salvador, também chamada de cidade-fortaleza foi escolhida no local mais alto do sítio, no trecho que atualmente é compreendido entre Praça Castro Alves e a Praça Municipal. 

Com a vinda de escravos que chegaram para trabalhar, a cidade desenvolveu-se, porque além de portuária contava com o cultivo de cana de açúcar e o comércio de algodão, fumo e criação de gado. A riqueza da cidade atraiu a vinda de estrangeiros que organizavam expedições para vir explorá-la.

Mais tarde, em 1808, a cidade foi escolhida pela família real portuguesa para se abrigar quando da sua vinda de Portugal fugindo dos ataques de Napoleão. Chegando aqui no Brasil, D. João que era o príncipe regente, abriu os portos para as nações amigas e fundou a primeira escola de medicina do país.

Com o passar dos anos Salvador começou sua expansão urbana com ocupação de novas áreas, crescimento da cidade baixa e o surgimento dos bairros do subúrbio, entre eles o Lobato.

O bairro do Lobato compreende os núcleos do Alto do Cabrito e Boa Vista do Lobato, além do Lobato propriamente e fica situado na falha geológica de Salvador, ao norte do bairro de São Caetano. Na parte ao nível do mar é atravessado pela Avenida Suburbana e pela linha Férrea Federal, o que lhe proporciona uma linda vista para a enseada dos Tainheiros, no bairro da Ribeira.

Como toda a região do subúrbio ferroviário pertencia a famílias, o Lobato foi uma fazenda de propriedade de Vasco Rodrigues ou Francisco Rodrigues Lobato, há controvérsias quanto ao nome do proprietário No local tinha uma capela chamada Santa Luzia e ilhotas cercadas de manguezais, entre elas a ilha de Joanes. Daí vem o fato do bairro ser também chamado de Santa Luzia.

Esta região, onde começa o Recôncavo baiano, foi explorada economicamente desde a chegada dos portugueses no Brasil, há 500 anos, Primeiramente com a extração da madeira depois com a plantação de cana de açúcar, a cultura do tabaco e extração do petróleo. Essa região foi marcada pela presença dos indígenas, de quilombolas, holandeses e portugueses. Durante certo tempo o local foi usado como local de veraneio por ter aparência campestre, clima agradável e  ficar próximo a Baía de Todos os Santos.

No inicio o subúrbio era servido pela linha ferroviária Leste Brasileiro, isso fez com que se intensificasse a expansão urbana já existente em Salvador e em seguida se encaminhasse para o subúrbio fazendo surgir novos núcleos populacionais. A elevação da ocupação e sua ampliação fizeram com que o empresariado industrial instalasse a indústria têxtil, como a Fábrica de Tecidos São Brás no subúrbio de Plataforma.

A chegada da indústria próxima à linha férrea gerou a diminuição dos custos da produção por ser o transporte mais barato e a mão de obra considerada grande, surgindo no local, uma área industrial formada de produção e moradia. Todos esses fatores junto com oficinas, fábricas e das antigas fazendas que já existiam na área colaboraram para delinear, a partir do século XIX, os núcleos que hoje representam os bairros do subúrbio ferroviário. A medida que a região crescia, iam surgindo loteamentos regulares, irregulares e invasões sem nenhum planejamento aumentando os núcleos residenciais. E foi nesse contexto que surgiram os bairros de Lobato, Plataforma e Paripe.

O Lobato se tornou famoso por ter sido o local onde foi encontrado o primeiro poço de petróleo brasileiro, na década de 40, época da campanha Getulista “O petróleo é nosso”. Apesar de algumas versões sobre o aparecimento do petróleo no Lobato, a versão mais aceita, a do Ministério de Minas e Energia,  conta que os moradores do Lobato alegavam que a água retirada dos poços artesianos apresentava além de um odor forte, uma estranha peculiaridade: pegava fogo, inclusive algumas pessoas usavam essa água para acender as luminárias. Esse fato chamou à atenção de dois técnicos, os quais, aconselharam autoridades locais a perfurarem um poço no bairro. Iniciou-se, então, a perfuração de vários poços e em 1941 foi achado petróleo, começando a partir daí a primeira produção comercial do ouro negro no Brasil.

Além dos aspectos citados, o subúrbio do Lobato ainda apresentava particularidades, as quais, valem a pena serem comentadas, como:
- A antiga ilha de Santa Luzia (aterrada mais tarde), cheia de árvores frutíferas e o manguezal onde acontecia a “captura” de caranguejos; um banco de mariscos, local em que moradores do bairro e adjacências iam diariamente catar diversos tipos de mariscos. Esses frutos do mar além de serem usados na própria alimentação,  também eram vendidos para ajudar  na renda familiar.

- Existe também no local, ainda hoje, uma pedreira chamada Santa Luzia onde por falta de uma infra-estrutura já houve vários deslizamentos de terra ocorrendo várias mortes. Próximo à pedreira existem dois campos de futebol, onde a mais de 50 anos atrás aconteciam disputas de futebol entre times “oficiais” fundados pelos moradores.

- Antigamente o subúrbio do Lobato era ligado ao subúrbio de Plataforma apenas  pela ponte São João,  que teve sua estrutura de ferro projetada em Londres e chegou ao Brasil em 1944, ano em que se iniciou a construção da mesma, sendo inaugurada em 1952. Atualmente essa ligação também é feita pela Avenida Afrânio Peixoto, mais conhecida como Avenida Suburbana. 

- Bem antes da construção da Avenida Suburbana, atracavam no Lobato (Santa Luzia), vindos do Recôncavo, saveiros repletos de mercadorias como: carvão vegetal, frutas, telhas, madeiras, etc. Essas mercadorias eram compradas por moradores do local e adjacências, provavelmente por serem comercializadas a um preço mais barato.

Atualmente o subúrbio do Lobato apresenta várias “invasões” com uma ocupação desordenada fazendo com que haja um aumento no índice da marginalidade. Falta saneamento básico, é um bairro carente  e abandonado como a maioria dos lugares periféricos dessa cidade. Os melhoramentos foram poucos, podemos citar como um deles a construção de uma estação da linha férrea entre as duas já existentes; Calcada e Lobato, consideradas longe uma da outra. A construção da nova estação facilitou a locomoção dos moradores. Porém, muita coisa precisa ainda ser feita para que o Lobato faça jus ao título do local onde foi encontrado o primeiro poço de petróleo.


ENTREVISTAS;

Foram feitas duas entrevistas, uma com a Sra. Marlene e outra com Sr. Luís. Os dois entrevistados pediram para não ser fotografados e nem gravados, mas não se opuseram que seus nomes e idades fossem divulgados.

A primeira entrevista foi feita com Sra. Marlene, 75 anos, aposentada da Polícia Técnica e formada em Direito, moradora do bairro desde que nasceu.

1, Há quanto tempo a Sra. mora no Lobato?
    - Minha filha, nasci e me criei aqui, nunca sai, assim como também os meus pais e meu irmão. Tinha também uma irmã, mas essa casou e foi morar em outro bairro.

2. A  Sra. Gosta de morar aqui, por que?
    - Tanto gosto que estou aqui até hoje, apesar de já ter recebido vários convites do meu cunhado e de minhas sobrinhas pra morar com eles lá na cidade baixa, mas...prefiro ficar no meu canto. Porque...na verdade aqui estão minhas raízes, foi nessa casa que sempre moramos, eu, meus irmão, meus pais. E eu não casei, aí... fui ficando... acho que vou morrer por aqui.

3. É verdade que os saveiros que vinham para vender suas mercadorias atracavam aqui bem perto da sua casa?  Então a maré chegava perto da linha do trem?
  - É sim, eu mesma comprava frutas nesses saveiros. Depois o povo foi aterrando, construindo casas, veio a Av. Suburbana, e a maré foi se afastando, agora praticamente não existe, quer dizer ficou tão longe,  até parece que estamos falando de algo que nunca existiu, engraçado, você me fez pensar  em coisas que nem lembrava mais, riso.

 4. A Sra. sabia que a muitos anos atrás o Lobato era uma fazenda?
     - Vagamente, meu pai apesar de não ser formado, só tinha mesmo o antigo curso primário, gostava muito de ler e lembro vagamente de tê-lo ouvido falar a respeito, mas é bem interessante, foi uma fazenda...é?...fiquei surpresa.

  5. Que a Sra, acha do Lobato de “ontem e de hoje”?
    - É, as mudanças foram muitas, antigamente todo mundo que morava por aqui se conhecia, podia-se sair na rua, não tinha perigo algum. Agora isso aqui virou um bairro violento, cheio de marginais, viciados em drogas, algum tempo atrás fui até assaltada. Isso não é vida.                                                                                                                                                                                         

A Segunda entrevista foi feita com Sr. Luis, 67 anos, policial aposentado.


1.O Sr. Mora aqui a quanto tempo?
    -  Nasci  e fui criado aqui e não pretendo me mudar, já estou acostumado e gosto daqui.
 
2.O Sr. Conhece todo o bairro?
   - Claro, como a palma da minha mão. Tenho até outra casa, lá em cima no São Caetano,       mas não pretendo me mudar pra lá, aqui é melhor, dizem que aqui é perigoso, e daí? Perigo tem em todo lugar.

3. Falando um pouco sobre o lugar, o Sr. Conhece bem a pedreira Santa Luzia?
    - Sim, lá tem até um campo de futebol onde joguei muito "baba" quando era jovem;  agora, meu pai era jogador "oficial" de um dos times do bairro que usava esse campo. Quanto a pedreira, já vi mais de um desabamento acontecer nesse lugar, muita gente morreu, de teimosia, moravam lá na ribanceira.

 4. É verdade que a maré vinha até aqui perto da linha do trem e que tinha uma ilha com um marisqueiro?
     - É verdade, tinha essa ilha sim. O marisqueiro também existiu, vinha gente do Largo do Tanque, São Caetano, Fazenda Grande e outros lugares pra mariscar e olhe que saiam com latas e mais latas de marisco. Eu nunca fui até lá, mas via quando o povo passava.

 5. E sobre o primeiro poço de petróleo encontrado aqui no Lobato, o que o Sr. Tem a dizer?       - É uma coisa muito falada, agente até aprende na escola, então é verdade. O bairro é      famoso por isso, mas de que adianta, vive esquecido, vai entender...

6. Que o Sr. acha dessa estação de trem que foi construída bem perto aqui da sua casa?
   - Moça, que adianta estação perto de casa se ninguém quer mais viajar de trem, é lento, perigoso, dizem que tem até assalto dentro deles, eu mesmo não uso, prefiro andar de ônibus. Agora, deve ter beneficiado algumas pessoas porque é um meio de transporte mais barato.                                                                                                                                                                                                                                                                                         

CURIOSIDADES:

1. Uma parte do bairro, entre a Calçada e a Estação do Lobato, é chamado de Santa Luzia, provavelmente porque ficava próximo ao local onde existia a Capela de Santa Luzia.

2. Uma moradora do local afirma que a prefeitura cavando próxima à sua casa, em Santa Luzia, encontrou uma peça de navio, indicando que ali pode ter sido uma região de mar que foi aterrada.

3. Quilombolas eram os escravos negros refugiados em quilombos, os quais, no período da escravidão fugiam dos engenhos de cana de açúcar, fazendas e pequenas propriedades.

4. Segundo alguns autores, o bairro se chama Lobato porque na época em que era uma fazenda, o seu proprietário chamava-se Francisco Rodrigues Lobato. 





REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Mario Mendonça de. As fortificações portuguesas de Salvador quando cabeça do Brasil. Fundação Gregório de Matos. 2004.
http://www.paralerepensar.com.br/antoniojorge_avidapacatadestaluzia3.htm
Acesso em: jul. 2014.












7 comentários:

  1. Nem sabia que o Lobato era uma fazenda, obrigada Cris!

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  2. Cristina também é cultura! Parabéns!

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  3. Ótima história sobre o Lobato, interessante saber sobre esse bairro deveria falar também dos outros bairros, assim que puder publicar! Beijos Cris

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  4. Gostei de saber sobre o subúrbio, principalmente que no Lobato foi encontrado o primeiro poço de petróleo brasileiro, isso lá na década de 40, e que alguns moradores usavam a água para acender as luminárias.

    Parabéns, pois são informações curiosas!

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  5. Riquíssimo em informações o seu texto! Muito interessante essa iniciativa de contar a história dos bairros pela perspectiva dos seus habitantes.

    É no bairro que nos formamos enquanto cidadãos, entretanto pouco sabemos sobre a história do bairro em que nascemos e/ou vivemos. Uma história que raramente é registrada em canais formais de comunicação, como livros, mas sim contada de memória pelos moradores mais antigos. Uma história que é oral e por isso passível de ser perdida com o passar dos anos. Daí a importância de projetos como o desse blog.

    Parabéns pela iniciativa!

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  6. Muito interessante...eu particularmente, não sabia da maioria das informações! Cada bairro tem a sua peculiaridade, curiosidades e até mesmo o seu legado e contribuição para a história. Parabéns Cris, pelo belíssimo texto.

    Bjos.

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